[OLPC Brasil] Sugar, Software Livre e Educação: afinal qual o papel da OLPC?
José Antonio Rocha
joseantoniorocha at gmail.com
Tue Jun 24 00:02:21 EDT 2008
2008/6/23 Juliano Bittencourt <juliano at lec.ufrgs.br>:
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> > Caros colegas,
> >
> > Nos útlimos meses tenho presenciado nesta lista várias
> > discussões de colegas sobre a questão do Windows XP rodando no XO, da
> > saída do Walter Bender da OLPC e do surgimento do SugarLabs.
>
[...]
> ... dizer que o foco agora é o Sugar e não a OLPC é como
> > dizer que o importante é o piano e não os pianistas.
> >
> > Peço desculpas antecipadamente se ofendo alguém, mas achei
> > importante compartilhar esses pensamentos com o grupo.
>
De maneira alguma é ofensa, Juliano. São considerações importantes.
Quando se faz (como eu, por exemplo) a afirmação de que o foco da inclusão
digital escolar se desloca para o Sugar, deve-se considerar este cenário:
1. O OLPC XO não ganhará todas as concorrências (leilões de compras
estatais) em todos os países, como não ganhou no Brasil. Mesmo se o XO fosse
o único concorrente, o fabricante não teria condições físicas de produzir
uma quantidade imensa de XO para todos os paises. Haverá necessariamente uma
mistura de dispositivos nas escolas.
2. Se é certo que haverá uma mistura de equipamentos, é enorme também a
chance de haver uma mistura de sistemas educacionais envolvidos, tipo "Sistema
Positivo de Ensino<http://www.positivo.com.br/portugues/educacional/spe.htm>"
(fornecedor brasileiro de "sistemas educacionais e montador de
computadores). Isto pode levar à uma situação em que experiências e projetos
educacionais ficariam estanques, limitados à determinada região. Pior ainda,
pode levar ao cenário de termos a mesma escola com dispositivos diferentes a
cada ano, com sistemas educacionais incompatíveis. Professores poderiam ser
obrigados a ter de aprender e desenvolver metodologias de ensino diferentes
a cada nova compra estatal, só porque um fornecedor conseguiu vencer o
leilão por alguns centavos a unidade. Não menos pior, a prática educativa
poderia ficar restrita ao que existe na Web (que é o mínimo denominador
comum entre plataformas de software) e a poucos programas multiplataforma.
3. Um governo democrático e justo é obrigado a fazer licitação para comprar
hardware ou software proprietário, mas não precisa necessariamente de
licitação para adotar software livre, como, por exemplo, uma plataforma
comum de ensino.
> O segundo equívoco que tenho observado é a idéia de que o
> > acesso a um software inovador por si próprio garantirá uma revolução
> > na educação. Bem, essa é uma equívoco que muitas das pessoas mais
> > geniais que trabalharam na área cometeram no passado, e que gostaria
> > de não ver repetido. No início da reflexão sobre informática na
> > educação, pensou-se que o simples acesso do LOGO garantiria uma
> > restruturação da escola.
>
4. Aí entra o Sugar, principalmente como ferramenta de colaboração. Mais que
isso, uma ferramenta de expressão em grupo. Bem diferente de Logo. Eu adoro
Logo, já lecionei Logo na escola da Dra. Magda Bercht (da Ufrgs, Brasil),
mas Logo é como xadrez. Xadrez é ótimo para desenvolver a capacidade de
jogar xadrez, já bem disse o Millôr Fernandes. Nada mais. Da mesma forma,
Logo é ótimo para se aprender Logo e lógica de programação, mas é só. Não dá
pra se fazer muitas coisas úteis, é quase que só um
spirograph<http://en.wikipedia.org/wiki/Spirograph>digital.
Já um ambiente de colaboração e expressão como Sugar (ou similar) permite se
fazer qualquer coisa em comunicação colaborativa: textos, gráficos, vídeos,
áudios, músicas, softwares. Quase tudo o que é forma de expressão do ser
humano. E em grupo.
Não conheço construcionismo, nem estou preocupado com isso. A inclusão
digital escolar pode ser feita com bases construcionistas, mas,
eventualmente, um país pode se decidir por outra filosofia educacional, isto
é possível, acontece. Não importa.
O que conheço é Comunicação Social o suficiente para saber que, quando se
colocam pessoas se comunicando com ferramentas de expressão eficientes (como
a Web, que é o melhor exemplo até hoje), as coisas começam a acontecer, seja
lá qual concepção pedagógica esteja por trás. Com ou sem projetos por trás.
Com projetos, melhor ainda. Acontecem mais coisas, claro, e mais
rapidamente, com mais conseqüências, e tal.
Então, colocar 100 milhões de alunos, professores e secretarias de educação
em comunicação com uma poderosa ferramenta comum, e achar que isto,
"apenas", não vai dar em nada, é o mesmo que achar que colocar um bilhão de
computadores e servidores de informação em rede e achar que não vai dar em
nada.
Mas assim como o TCP/IP, o email, a Web etc foram as plataformas comuns que
permitiram o desenvolvimento explosivo da comunicação social nos últimos 18
anos, um ambiente educacional comum é o que se precisa para impulsionar este
desenvolvimento na escola. Poderia ser o Squeak, poderia ser o Sugar. Mas *tem
que haver um*. Todas as escolas do mundo precisam falar e trabalhar com
todas as escolas do mundo. O Sugar me parece a melhor proposta, até agora.
Neste sentido, o ambiente comum é mais importante que uma das plataformas de
hardware usadas. Também acho o XO incrível, revolucionário e puxador do
samba dos ultramóveis, torço por ele, mas ele não será o único.
> Nesta linha de pensamento, volto ao ponto que gerou toda essa
> > polêmica que foi o Windows XP sendo portado para o XO. E aqui ouso a
> > pensar que faço mais um alerta. Se um país decide que o melhor para
> > educação de suas crianças é utilizar Windows XP, quem somos nós para
> > dizermos que não?
>
Concordo com você. O Windows rodando no XO é legal, mas, como se diz no
Brasil, não fede nem cheira. Além de exigir sempre o dobro de recursos do
que software livre, é apenas um sistema-operacional-morto-caminhando. Não
tem muito mais que dois anos de vida pela frente.
Muito mais importante que o Windows rodando no XO é o Sugar rodando no
Windows (ou em qualquer outro sistema operacional). Porque há mais chances
de ser comprado um laptop não-XO com Windows que ser comprado o XO
windowsficado. E o Sugar poderá ser o mínimo denominador comum necessário
para aglutinar as diferenças, para colar uma nova Web educacional
colaborativa.
> A OLPC
> > continua não só apoiando mas também patrocinando o Sugar, considerando
> > que a maior parte dos desenvolvedores são funcionários ou consultores
> > da OLPC. Se esta tirasse o seu apoio financeiro ao projeto, poderíamos
> > no mínimo lançar dúvidas sobre a sua continuidade.
É bem possível...
> > Nessa mesma idéia,
> > se a OLPC fechasse amanhã, poderíamos lançar também dúvidas sobre a
> > disposição das empresas em criar laptops de baixo custo para educação,
> > os quais canibalizam suas margens de lucro.
>
Talvez, mas agora é tarde, mais de 50 fabricantes já descobriram o filão
aberto pela OLPC, os governos já sabem que é possível fazer computadores
móveis baratos. De qualquer forma, e ainda bem, a OLPC parece que vai
continuar revolucionando.
São algumas considerações que faço, mais como pensamento alto que como
certeza.
Abraços!
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Íntegra do post do Juliano na lista OLPC Brasil:
Caros colegas,
Nos útlimos meses tenho presenciado nesta lista várias
discussões de colegas sobre a questão do Windows XP rodando no XO, da
saída do Walter Bender da OLPC e do surgimento do SugarLabs. Acho toda
a discussão importante para refletirmos profundamente acerca destes
fatos e das questões que levantam e por isso tenho me colocado como
espectador atento de todo esse processo. Entretanto vi nos últimos
tempos o surgimento de alguns argumentos que particularmente considero
preocupantes. Também tenho visto uma depreciação da imagem da OLPC
baseada muito mais em falta de compreensão e diálogo do que em fatos.
A primeira grande falácia que tenho ouvido repetidas vezes é
que agora (após a versão do Windows XP para o XO) o que importa é o
Sugar e não mais o XO. Por mais que eu goste do Sugar, desde de quando
criar um laptop de baixo custo, baixo consumo de energia e
conectividade mesmo sem Internet deixou de ser uma boa idéia? O XO é
significativamente mais sofisticado que os outros laptops que se
propõe a concorrer com ele, e o seu esforço de engenharia não foi
colocado apenas em minituarização, mas principalmente em fazê-lo
funcionar em condições onde nenhum outro funciona. Por exemplo, em
Ruanda 99% das escola primárias não tem eletricidade. Neste tipo de
cenário qualquer um dos concorrentes do XO funcionaria? Mesmo no
Brasil, 11% das escolas públicas da Amazônia Legal não tem
eletricidade. Antes mesmo da primeira linha de código ser executada,
é necessário existir uma máquina viável, tanto economicamente quando
tecnicamente considerando os contextos que ela se propõe a atender.
O segundo equívoco que tenho observado é a idéia de que o
acesso a um software inovador por si próprio garantirá uma revolução
na educação. Bem, essa é uma equívoco que muitas das pessoas mais
geniais que trabalharam na área cometeram no passado, e que gostaria
de não ver repetido. No início da reflexão sobre informática na
educação, pensou-se que o simples acesso do LOGO garantiria uma
restruturação da escola. Na realidade o que aconteceu foi a escola
assimilando o computador no laboratório de informática e substituindo
os usos inovadores do LOGO por aulas de LOGO. Depois, substituindo as
aulas de LOGO por aulas de computador, então nada remanescendo das
idéias originais sobre computadores e aprendizagem. Pensar que por
mais genial que o Sugar seja, que ele vai revolucionar a educação por
si só é no mínimo um equívoco. Ele é apenas uma parte de um projeto
maior e devemos tomar cuidado com a forma que usamos o termo "é um
projeto educacional". Já presenciei ele sendo utilizado de formas
muito "mundanas" como em "aulas de sugar". Se não existir esforço em
inserir novas idéias acerca da aprendizagem e como os computadores
podem auxiliar nesse processo, ele não passará muito mais disso.
Outro ponto relacionado a isso é julgar que o sugar é o novo
representante legítimo do construcionismo de Papert. O constucionismo
é uma proposta pedagógica para o uso do computador na educação e não
uma especificação de software. Muitas pessoas, inclusive nós aqui no
LEC, buscamos utilizar o computador dentro de uma proposta
construcionista muito antes da discussão sobre software livre começar
a surgir. Para isso utilizamos primeiro os MSX e depois PCs rodando
Windows. Para ser franco, por mais que nos posicionemos a favor do uso
de Linux nas escolas, ainda é bastante difícil encontrar softwares
livres educacionais com qualidade para apoiar práticas construtivistas
e a implantação do Linux nas escolas públicas brasileiras tem sido até
então, no mínimo difícil. Por isso tomemos cuidado ao dizer que o
Sugar é o novo monumento ao construcionismo e quem não usa ele (ou
quem usa software proprietário) não está sendo construcionista. Papert
quando desenvolveu o construcionismo não utilizou software livre.
Nessa altura muitos devem estar pensando que eu sou contra o
Sugar e o software livre! Muito pelo contrário. Dediquei muitos anos
da minha vida ao trabalho com Linux dentro das escolas públicas e
particularmente acho o Sugar umas das coisas mais legais que se
inventou na área de software nos últimos tempos. Mas usando uma idéia
de Paulo Freire (já que falamos de educação) que gosto muito, devemos
distinguir a militancia cega do pensamento crítico. No caso evitar a
militancia é pararmos de olharmos para o nosso próprio umbigo e termos
atitudes colonialistas nos intitulando "herórios/salvadores das
criancinhas do país X" pq desenvolvemos o sugar, e termos pensamento
crítico é sermos capazes olharmos para os nosso próprios problemas e
falhas, aprendermos com eles, e nos re-estruturarmos mais fortes. Por
exemplo, por mais que defenda o software livre nas escolas públicas,
sei das muitas dificuldades que isso traz para os professores, e acho
que a solução não é negar as dificuldades mas sim trabalhar para
soluciona-las.
Nesta linha de pensamento, volto ao ponto que gerou toda essa
polêmica que foi o Windows XP sendo portado para o XO. E aqui ouso a
pensar que faço mais um alerta. Se um país decide que o melhor para
educação de suas crianças é utilizar Windows XP, quem somos nós para
dizermos que não? Não estaríamos sendo contraditórios em dizer que as
pessoas tem *liberdade* de escolha desde de que façam as escolhas que
nós julgamos corretas? Se o movimento do Software Livre representa na
sociedade moderna um movimento pela liberdade, devemos respeitar
aqueles que não desejam se juntar a nós. Discutir, tentar influenciar,
abrir possibilidades, trazer novas idéias: sempre. Impor, nunca!!!
Justamente pela OLPC ser um projeto de educação, seria correto ela
negar as crianças de uma determinada nação acesso aos seus laptops (e
dentro da sua lógica a possibilidade de uma educação melhor) só porque
os políticos decidiram que querem Windows nas máquinas?
No Brasil, uma das coisas que mais admiro é como o movimento
de Software Livre conseguiu com muita habilidade atingir as esferas
mais altas do governo. Sem imposição, mas com conscientização. Ao
invés de simplesmente negarmos aos outros países laptop com Windows,
devemos trabalhar com as pessoas daquele país para ver como é possível
influenciarmos as idéias de seus governantes.
Por fim, gostaria de dizer que acredito que a maior parte das
críticas a OLPC que tenho visto aqui são, no mínimo, injustas. A OLPC
continua não só apoiando mas também patrocinando o Sugar, considerando
que a maior parte dos desenvolvedores são funcionários ou consultores
da OLPC. Se esta tirasse o seu apoio financeiro ao projeto, poderíamos
no mínimo lançar dúvidas sobre a sua continuidade. Nessa mesma idéia,
se a OLPC fechasse amanhã, poderíamos lançar também dúvidas sobre a
disposição das empresas em criar laptops de baixo custo para educação,
os quais canibalizam suas margens de lucro.
Por fim, dizer que o foco agora é o Sugar e não a OLPC é como
dizer que o importante é o piano e não os pianistas.
Peço desculpas antecipadamente se ofendo alguém, mas achei
importante compartilhar esses pensamentos com o grupo.
Atenciosamente,
Juliano
Juliano Bittencourt <juliano at lec.ufrgs.br>
Laboratório de Estudos Cognitivos - LEC
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Phone: +55 51 3308 5250 and +55 51 3308 5690
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atividade: "Coordenação do Pós-Graduação Jornalismo em Mídias Digitais
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