[OLPC Brasil] Críticas ao projeto OLPC de um professor

Paulo Drummond ptdrumm at terra.com.br
Sat May 19 22:48:52 EDT 2007


Marta,

Eu creio que compreendo bem sua revolta. Ela é a revolta de muitos,  
não só abnegados professores como você, mas muitos brasileiros como  
nós que sabem que uma verdadeira educação ainda está muito distante,  
em se usando os meios e métodos atuais. Muitos de nós, e creio posso  
incluí-la nisso, querem que a educação brasileira tenha um salto  
quântico de qualidade, mais que isso, que esse salto seja  
universalizado, fazendo com que tanto as crianças de Bauru, quanto as  
de um vilarejo às margens do Rio Urubu, ou as de uma escola de um  
distrito de Nova Iguaçú tenham uma mesma possibilidade de acesso ao  
conhecimento.

Os chamados laboratórios de informática são (ou talvez tenham sido)  
uma etapa intermediária do processo. Algumas escolas têm tido sucesso  
na sua utilização, mas a maioria das que tiveram sorte em receber os  
equipamentos não. Isto se deve — como você bem coloca — a dois  
fatores importantes: Um o da intenção dos administradores em não  
"ficar pra trás", independentemente de saber o que pode ser feito com  
aqueles equipamentos; outra é a sanha política em usufruir as  
vantagens inerentes do processo, principalmente no ato da aquisição.

De todo modo, com ou sem laboratórios, com ou sem treinamento  
adequado de professores, com ou sem politicagem e maracutaias, a  
educação de um modo geral continua a mesmíssima do final do século  
19. Não do 20, do 19 mesmo! Com correções mínimas de curso e alguns  
acidentes de percurso, a educação brasileira só teve ímpetos  
consideráveis na década de 30 quando universidades (e seu conceito de  
conhecimento universal) surgiram no cenário; na década de 50 quando  
foi criada a CAPES, que estimulou o aperfeiçoamento de professores e  
recentemente depois da última edição da LDB, que deu uma  
flexibilização ao ensino de um modo geral.

Mas esses ímpetos não bastam, nem de longe. Foram espasmódicos. A  
real necessidade é de uma revolução de costumes, uma radical mudança  
na postura dos doutos (que ainda vagam, mofados, pelo século 19) e de  
um redirecionamento do foco do processo de aprendizagem (nos períodos  
da infância e pré-adolescência) da sala-de-aula para a criança.  
Portanto, enquanto pensarmos em laboratórios de informática,  
continuaremos pensando na sala-de-aula e a coisa não mudará.

O projeto OLPC tem essa característica do o foco na criança e o  
laboratório é o ambiente que a cerca. Será necessário um ajuste na  
postura do professor, sem dúvida, mas caberá a cada país decidir a  
forma como isso deverá ser feito. Cada país lançador do projeto  
deverá tecer a malha dessa nova educação baseada no princípio de que  
a criança constrói seu destino e modela seu mundo de acordo com sua  
visão e ambientação. Neste aprender de modelagem, ela aprenderá a  
pensar e aprenderá a construir e colaborar; e colaborará e construirá  
para continuar a aprender.

Outros projetos ainda conservam a sala-de-aula como foco principal, e  
a figura do 'magister' como ator e controlador central nesse palco  
além de ferramentas impostas e antiquadas como pano de fundo. Ainda  
que a maioria das pessoas pensem que se trata de mais uma (desta vez  
grandiosa) competição entre equipamentos de fabricantes variados, na  
verdade o projeto UCA tem procurado analisar, transferindo à  
academia, à indústria e aos centros de tecnologia as tarefas de  
análise laboratorial das várias possibilidades pedagógicas e das  
variantes tecnológicas envolvidas.

Tudo faz crer que o governo terá em mãos um riquíssimo material para  
a tomada de decisão sobre que plataforma adotar e como fazê-lo.

Como última observação, o projeto OLPC não tem vínculo algum com a  
Intel. Ao contrário, o controlador principal do laptop é produzido  
pela concorrente AMD e o próprio laptop será fabricado pela empresa  
Quanta, de Taiwan. Muitos outros detalhes e respostas a outras  
dúvidas podem ser encontrados nos seguintes endereços:

http://laptop.org/pt
http://wiki.laptop.org/go/FAQ/lang-pt

ETA

Paulo


On May 19, 2007, at 8:05 PM, marta caputo wrote:

> Aqui na minha cidade (Bauru, SP), a INTEL doou laboratórios de  
> informática para cerca de 20 escolas. Nenhum deles está em uso. As  
> diretoras das escolas não têm sequer a competência e a boa vontade  
> de correr atás de um técnico para colocá-los em rede. As máquinas  
> já estão virando sucata, trancafiadas em uma sala qualquer, na  
> dependência das escolas. Nenhum dos 20 laboratórios está em  
> funcionamento.
> Os professores não querem mais essa dor de cabeça, pois não têm  
> treinamento específico para usar os computadores com seus alunos.  
> Será que com laptops seria diferente? Duvido!!! Não sou,  
> absolutamente, contra a tecnologia na escola. Muito pelo contrário!  
> Podem inclusive constatar pela minha modesta contribuição, como  
> ministrante da disciplina Educação e Comunicação, no curso de  
> Pedagogia da UNESP daqui, pelo pequeno site que elaborei como  
> resultado da disciplina em www.freewebtown.com/pedagogia
> Aliás, quando o site estava em vias de ficar pronto, solicitei ao  
> departamento de Educação que o mesmo fosse linkado ao site oficial  
> do curso. Não houve qualquer interesse. Afinal, eu era apenas uma  
> professorinha bolsista... como é que poderia estar fazendo melhor  
> que os titulares (que não fazem nicas!)? Como é que poderia estar  
> levando meu trabalho com tanta boa vontade, ganhando R$700 por mês?!
> Nem sequer me enviaram um e-mail agradecendo ou se comprometendo a  
> disponibilizar essas paginazinhas para os alunos que trabalharam  
> com tanto afinco durante alguns meses, junto das páginas do próprio  
> curso.
> Ou seja: mais uma vez, precisamos saber que educação queremos. Que  
> sociedade queremos. Não é um computador por aluno que vai trazer  
> essas respostas.  100 milhões de dólares é dinheiro demais para uma  
> única finalidade, em termos de educação, num país como o nosso.  
> Sabemos que no trajeto desses 100 milhões, até que virem um  
> computador por aluno, haverá um incomensurável cardume de tubarões  
> babando sangue prá meter a mão nessa grana! E o político-tubarão  
> brasileiro não entende lhorfas de Educação! Apontem-me UM político  
> brasileiro que tenha deixado um projeto político-pedagógico como  
> herança para as nossas crianças! Pensaram? Acharam um nome? Não?  
> Pois é...
> Pois eu lhes digo: Cristovam Buarque, enquanto ministro da Educação  
> tinha um projeto maravilhoso - o da TV Escola, um projeto prá lá de  
> bacana, mas que, assim que o Cristovam deixou de ser ministro,  
> parece que foi abandonado, como sempre acontece aqui, na dança das  
> cadeiras entre a classe política.
>  Quando fui assumir a disciplina da qual lhes falei, fui pesquisar  
> o Projeto TV Escola e descobri que a UNESP daqui, por meio  
> justamente do Departamento de Educação havia sido nomeada como uma  
> unidade repercussora do projeto, tendo recebido um kit com antena  
> parabólica, TV, livros, DVDs e videos. Fui procurar esse material e  
> o encontrei lá no cantinho - o equipamento. Mas eu precisava dos  
> livros para distribuir para os alunos, para que pudéssemos, por  
> alí, acompanhar o conteúdo teórico. Qual não foi minha indignação  
> ao saber que, por insistência da faxineira do departamento, os mais  
> de 300 kits com os livros e os CDs do curso haviam sido levados  
> para uma biblioteca da rede pública, pois estavam atrapalhando a  
> limpeza do departamento!!!!!!!!!!! Vejam que despautério! Não  
> tenham duvída de que fui reclamar essa situação absurda ao chefe do  
> departamento, meio que exigindo o retorno dos livros, que são ótimos!
> Esse episódio ilustra muito bem aquilo que o Prof. Setzer coloca  
> com relação à escola pública no Brasil: decididamente, não temos  
> escola pública, mas estatal: aquela que não funciona com o  
> envolvimento do público, da sociedade civil, mas como reflexo de  
> um  estado inepto, incapaz, irresponsável e ganancioso. Cada vez  
> mais ganancioso.
> Pois bem: voltando aos laptops. Talvez eles sejam necessários  
> quando a sociedade civil se mobilizar em torno de educação decente  
> para seus filhos! Não é uma decisão articulada nas inalcançáveis  
> instâncias dos gabinetes dos políticos em Brasília que se vai  
> melhorar nossa educação... mas só a consciência crítica e a  
> capacidade de articulação de nossa população em torno daquelas duas  
> questõezinhas que coloquei anteriormente: que educação queremos?  
> que sociedade pretendemos construir? E, em torno dessa  
> discussãozinha, nem a nossa classe política, nem a classe dos  
> educadores e muito menos nossa sociedade civil se manifestou de  
> maneira clara e objetiva. Não é colocando uma maquininha na mão de  
> cada aluno, resultado apenas de negociata,  que resolveremos ou  
> construiremos um projeto político-pedagógico para esta Nação. Isso  
> será apenas o desperdício de 100 milhões de US$. Quem certamente  
> lucrará com isso será a INTEL e o Negroponte, pois o deles  
> certamente estará garantido... e o que sobrar desses 100 milhões,  
> entre os peixes pequenos, causará aquele alvoroço.
> Abraço,
> Marta
> Roberto Fagá <robertofaga at gmail.com> escreveu:
> Marta, a questão é que tirar das escolas públicas a tecnologia não vai
> melhorar a sociedade, ao contrário, vai excluir a classe pobre cada
> vez mais. E além do mais, acho inválido questionar se o projeto está
> tendo ou não um conteúdo educacional adequado uma vez que ele é livre,
> quero dizer, duvidar sim, mas escrever artigo sobre isso... Acho que
> ao invés de apostar em algo não dar certo, pode-se ajudar o projeto,
> visto que a OLPC é uma instituição sem fins lucrativos e aberta a
> ajuda de todos (além de ter vários grupos de pesquisa aqui no Brasil
> trabalhando nisso também).
> Por outro lado, a inclusão na tecnologia é algo inevitável,e um deles
> serão escolhidos para as escolas, seja o XO ou o ClassMate da Intel,
> ou então ainda mais computadores normais como já é feito atualmente e
> produz pouquíssimo ou nenhum resultado uma vez que conheço professores
> da rede pública que se queixam que a aula seria muito interessante com
> o uso do computador para determinados meios, como o citado pela profª
> Jenny, mas falta equipamentos ou são de difícil operação, ou ainda
> como é o caso da maioria, não existe curso preparatório para os
> professores.
> Queremos uma sociedade melhor, sempre a humanidade quis, e acho que um
> importante passo é a igualdade de oportunidades entre as diferentes
> classes, pelo menos no quisito de conhecimento técnico.
>
>
> On 5/19/07, Info-Educativa wrote:
> >
> >
> > Acho melhor sugerir ao MEC fechar as escolas... Há negociata na  
> compra
> > de livros, lápis, borracha carteiras, merenda... Só quem não faz  
> negociata é
> > professor: vive com salário de fome.
> > Vamos continuar elitizando a educação, deixar que só os filhos da  
> classe
> > média tenham acesso à tecnologia.
> > Pergunta: quem disse que computadores e natureza são coisas  
> antagônicas?
> > Como vamos ter uma escola desta na Zona norte do Rio de Janeiro,  
> nas grandes
> > cidades de São Paulo?
> > Meus alunos pesquisaram na internet as formas de plantio e foram  
> para o
> > quintal plantar uma horta! Estão vendo dia a dia o progresso de  
> seu trabalho
> > e fazem gráficos no computador, escalas de revezamento para  
> molhar as mudas,
> > atividades que englobam cooperação, defesa do meio ambiente,  
> cidadania e
> > contato com a natureza, pois temos o privilégio de viver em meio  
> a uma
> > reserva do restinho de mata atlantica que ainda temos no Rio.
> > Me perdoe, mas radicalismo não! Não podemos voltar no tempo e os  
> corruptos
> > que sejam postos na cadeia.
> > Jenny
> >
> > ----- Original Message -----
> > From: marta caputo
> > To: Brasil at laptop.org
> > Sent: Saturday, May 19, 2007 2:51 AM
> > Subject: Re: [OLPC Brasil] Críticas ao projeto OLPC de um professor
> >
> >
> >
> >
> > Refletir e ser totalmente contra? Sem apresentar nenhumzinho  
> argumento de
> > porquê você é contra as colocações do Professor Setzer?! Como  
> assim?! Sua
> > postura é aquela do tipo "sou contra porque sou contra?" Afffff...
> > Ele não poderia ter sido mais brilhante na exposição de seus  
> argumentos,
> > analisando tão acuradamente as muitas facetas de mais essa  
> negociata escusa
> > entre o governo brasileiro e a INTEL.
> > São os homens do "puder" aqui dessa Banana Republic comprando sucata
> > técnológica dos países do hemisfério norte, depois que o uso das  
> mesmas já
> > se comprovou inútil por lá. Apenas prá abocanhar o seu  
> quinhãozinho, nas
> > comiças, nas licitaçõezinhas...
> > Acompanho as discussões desta lista há tempos. Nenhum projeto
> > político-pedagógico que cause alento foi apresentado, até o  
> momento, nem por
> > parte do governo, nem por parte da INTEL.
> > Infelizmente, creio que estamos sepultando qualquer possibilidade de
> > oferecer as nossas crianças o direito a uma infância digna, alegre,
> > saudável, segura, esperançosa, amorosa, cultivando princípios  
> para uma
> > existência mais humana.
> > Se, ao invés de distribuir um laptop por aluno (o UCA devia se  
> chamar URUCA
> > - cedo ou tarde, a analogia será inevitável), pudéssemos promover  
> às nossas
> > crianças, aos seus pais e professores a oportunidade de  
> frequentar uma
> > escola da pedagogia Waldorf, ninguém ia querer saber de  
> computador tão cedo!
> > Porque numa escola Waldorf, as crianças aprendem a respeitar a  
> natureza (as
> > aulas de educação agrícola, plantar, colher, preparar os  
> alimentos com
> > aquilo que todos, juntos plantaram - e entenderam todos os muitos  
> contextos
> > envolvidos só nesse simples processo - para citar apenas um), os  
> seus
> > semelhantes e valores como a colaboração e a solidariedade,  
> dentre muitos
> > outros.
> >
> > O artigo do Prof. Setzer me trouxe pelo menos um alento: ainda  
> existem seres
> > pensantes que pensam com o auxílio luxuoso do coração...
> >
> > Bom fim de semana prá todos.
> > Marta Caputo
> >
> > Nathalia Sautchuk Patrício escreveu:
> > Leiam esse texto, é bem extenso, mas vale a pena nem que seja só  
> para
> > refletir e ser totalmente contra...
> >
> > http://www.ime.usp.br/%7Evwsetzer/um-laptop-por-crianca.html
> >
> >
> >
> > --
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