[OLPC Brasil] Projeto UCA: suspeitas de tramóia!
Jaime Balbino
jaimebalb at gmail.com
Fri May 1 01:28:17 EDT 2009
Profa. Denise,
Concordo com você quando diz que a rejeição do Mobilis nos testes é
uma demonstração de que a "máquina pública" está funcionando. Neste
caso específico esta não é uma ação do governo, que é o interessado na
compra, a boa burocracia vem da estrutura estatal que possui
mecanismos independentes que seguem regras e são fiscalizadas. Esta
estrutura garantiria um processo honesto e, acreditem, não existe em
sua plenitude na maioria dos nossos vizinhos. Além de ter atingido a
maturidade no Brasil apenas nos últimos anos.
Porém, um presidente ou governador ou prefeito no Brasil tem somente 4
anos de mandato. Diante dessa realidade constitucional como é possível
levar adiante projetos complexos se não há prazos para as decisões
burocráticas e judiciais? Um ministro do TCU levou 4 meses para
decidir deixar a licitação prosseguir. Antes disso tivemos quase 1 ano
de espera desde o cancelamento do primeiro pregão, com a desculpa de
que o edital seria melhor escrito (e que acabou questionado no TCU).
Depois da liberação levou-se 40 dias nos testes de aderência e a
consequente rejeição do Mobilis.
Agora, se a Comsat ou algum outro concorrente questionar o resultado
nos tribunais, teremos meses ou anos de paralisia...
Pode-se argumentar que um projeto não pode ser deste ou daquele
governo e que a alternância de poder não pode eliminar as boas
iniciativas. Isso é verdade quando os projetos estão implementados ou
ao menos bem encaminhados, quando eles nem sequer existem e, ainda por
cima, colecionam fracassos de tramitação e polêmicas a tendência é não
serem reaproveitados mesmo.
O Uruguai é bem menor que o Brasil? Correto. Mas seu projeto nacional
já é bem maior do que teria sido o piloto do UCA. Mas não é só uma
questão de tamanho. Talvez a estrutura fiscalizadora do Uruguai não
esteja tão bem organizada quanto a brasileira, quem sabe por lá a
simples vontade do seu presidente baste para comprar 500 mil laptops
educacionais. O ponto central aí é que lá, como em outros países, o
tempo e o dinheiro tem sido gastos para fazer avançar o que se conhece
sobre o ensino com laptops. Nem preciso dizer no que estamos
investindo nosso tempo e dinheiro aqui no Brasil...
Ainda há um agravante no caso brasileiro: enquanto o Uruguai, por
exemplo, não precisou discutir a fabricação local dos laptops, por não
ter uma tradição industrial, o Brasil trouxe essa polêmica para o
centro do processo de compra. Tudo bem, mas que empresa brasileira
pode inovar nesta área tendo que esperar mais de 2 anos pelo fim de
uma licitação que pode ser cancelada, suspensa e refeita inúmeras
vezes? O próprio Mobilis é um exemplo desse dilema: foram uns 3 anos
de desenvolvimento sem grandes incentivos estatais e particulares que
agora irão para o limbo depois da reprovação nos testes do UCA, já que
a empresa nunca teve condições de financiar a venda do produto no
varejo.
(Isso não quer dizer que a reprovação não foi merecida. Nunca tive um
destes novos Mobilis na mão, nem os vi e também jamais poderia atestar
sua qualidade melhor do que faria o MEC. O relatório do pregoeiro deve
trazer claramente os motivos da reprovação, mas não duvido que seu
fabricante recorra da decisão para garantir a própria sobrevivência e
o investimento.)
Não sou contra a burocracia e os recursos judiciais. Mas a equação
está errada. O tempo que se leva para tomar uma decisão tecnocrática
inviabiliza o projeto em si, quando não o pasteuriza, retirando da
disputa projetos alternativos e realmente inovadores em benefício de
tecnologias já estabelecidas (para outras realidades) e até
carterizadas.
Termino com um discurso do Presidente Lula feito neste 30 de abril no
Rio de Janeiro. Aqui ele desenha a realidade dispare entre a
necessidade de avançar e os caminhos pedregosos e tortuosos impostos
pelo próprio Estado de Direito brasileiro:
"Lula critica burocracia para aprovar investimentos
De Lula ao participar da inauguração de um novo laboratório na Coppe/UFRJ:
- Você me contou do Tribunal de Contas, eu não vou nem te contar da
perereca e do viaduto porque... É o seguinte: o país passou mais de 25
anos sem investimento e sem nada porque nós fomos criando uma poderosa
máquina de fiscalização que agora é superior à máquina da produção. Se
você pegar uma instituição como Caixa Econômica Federal, como o Banco
do Brasil e o BNDES, agora, há algum tempo, é que a máquina voltou a
investir. O BNDES, que é um banco que é um modelo de exemplo para nós
e de orgulho, como a Petrobras, passou parte do seu tempo aprendendo a
sanear empresa para ser privatizada e desaprendeu a discutir
investimento. Eu lembro que uma vez eu perguntei para um cidadão:
quanto tempo você leva entre receber um projeto e aprovar um projeto?
(Eram) 265 dias. Não é possível.
- Qual era a minha preocupação? No Brasil não basta você ter o
dinheiro. Porque com a quantidade de regras que nós criamos para
dificultar a utilização do dinheiro, às vezes, você vê a galinha
cantando, pensa que ela botou o ovo e ela não bota o ovo nunca.
- Juscelino Kubitschek, se fosse eleito presidente e quisesse fazer
Brasília hoje, ia terminar o mandato dele sem conseguir a licença para
fazer a pista para descer o piloto para começar a estudar o Planalto
Central."
Jaime Balbino
Learning Designer
Consultor em Automação do Ensino
> 2009/4/30 Denise Vilardo <dvilardo at gmail.com>:
>> Olá a todos,
>>
>> Se, a partir das denúncias feitas (verdadeiras ou não), o governo não
>> tomasse atitude alguma, ele seria tachado de omisso. Se para tudo pra
>> averiguar, é porque quer emperrar o processo...
>>
>> Não estou defendendo a lerdeza dos caminhos burocráticos, porque eles,
>> certamente, mais atrapalham do que ajudam. E também compreendo que todos nós
>> estamos aguardando ansiosamente a chegada dos laptops às escolas.
>>
>> Mas continuo acreditando, talvez ingenuamente, que ações dessa natureza e
>> dimensão exigem muito cuidado, seriedade e responsabilidade.
>>
>> Sabemos que por trás de tudo existe uma guerra industrial, que não está
>> começando agora, e esse me parece mais um bom motivo para que se investigue
>> o que está realmente acontecendo.
>>
>> Prefiro aguardar, porque também não acredito em bonzinhos X mauzinhos. As
>> instituições existem, mas não são entidades etéreas; são constituídas por
>> pessoas também dignas - podem acreditar - e que lutam diariamente para que
>> as coisas funcionem e deem certo.
>>
>> Dessa lista mesmo participam pessoas altamente comprometidas com o Projeto e
>> com vasta experiência de trabalho no setor público, portanto, sabem bem do
>> que estou falando.
>>
>> E, por favor... O Uruguai inteiro tem cerca de 176.215 km², e uma população
>> estimada em 3,39 milhões. Só o Estado de São Paulo tem 248.209,23 km²... a
>> Cidade do Rio de Janeiro tem mais de 6 milhões de habitantes... O que é
>> mesmo que estamos comparando?
>>
>> E, também, creio que não dá pra acreditarmos que nos outros países tudo
>> funcione maravilhosamente bem e que não existam os problemas semelhantes aos
>> daqui. Vocês sabem melhor do que eu que não é assim que as coisas acontecem.
>>
>> Esse é o nosso país, com todos os contextos histórico-sociais que
>> rechaçamos. É aqui, no meio de todos os desacertos, descompassos,
>> desafinações que temos a obrigação de fazer melhor. É compromisso dos que
>> tiveram e ainda teem o privilégio de poder estudar, viver dignamente e estar
>> aqui, por exemplo, participando dessa lista, como acadêmicos, intelectuais e
>> profissionais bem sucedidos.
>>
>> Creio que contribuiremos mais se conseguirmos articular e ampliar essa rede
>> de pessoas interessadas em discutir esse assunto, com idéias e propostas
>> para ajudar na implementação do Programa.
>>
>> um abraço
>>
>> Denise Vilardo
>>
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